A desestatização estava nos planos de governo de Jair Bolsonaro desde sua campanha eleitoral em 2018, junto com a privatização de outras grandes estatais como a Petrobras, Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Correios e várias outras. Porém, a privatização da Eletrobras foi uma das poucas promessas que foi realmente efetivada, assim como empresas menores como a BR Distribuidora e Liquigás e Codesa (Companhia de Docas do Espírito Santo).
O desejo de privatização da estatal do setor elétrico não é recente, até mesmo nos anos 90, já havia grande interesse de venda da empresa para a iniciativa privada, tendo sido um dos interesses do então Presidente da República Fernando Henrique Cardoso. Mas apesar dos seus planos, FHC encontrou resistência no processo e acabou abandonando a ideia. Um dos maiores exemplos dessa resistência aconteceu em 1999, orquestrada pelo ex-presidente Itamar Franco, na época governador de Minas Gerais, que no caso mobilizou em torno de 2500 policiais para exercícios militares no lago de furnas, uma das subsidiárias da Eletrobras, em protesto à privatização.
A partir disso, as tentativas de privatização esfriaram, em especial durante os mandatos de Lula e Dilma, conhecidos por serem estadistas e contra privatizações. Mas, após o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, o mandato de seu vice Michel Temer reacendeu as buscas pela privatização da Eletrobras, dando os primeiros passos no processo que teve seu fim este ano.
Com este entendimento básico da visão geral da desestatização em questão, em seguida serão explicados pontos específicos envolvendo o processo de transição da estatal e as consequências de tal.
UMA BREVE HISTÓRIA DA ELETROBRAS
Em 1954, no segundo governo de Getúlio Vargas, foi proposta a criação da Eletrobras, também chamada Centrais Elétricas Brasileiras S.A., sofrendo enorme oposição até ser aprovada 7 anos depois. Em 1961, Jânio Quadros autorizou que a União realizasse a constituição da Eletrobras e em 1962, no governo de João Goulart, a empresa foi oficialmente criada. Constituída com as atribuições de gerar, transmitir e suprir energia elétrica para o país, a Eletrobras nos seus 60 anos de existência se destacou no setor elétrico e fomentou o desenvolvimento brasileiro com a construção de usinas e linhas de transmissão ao redor de todo o território nacional.
Atualmente a Eletrobras é responsável por metade das linhas de transmissão do país, totalizando 74.087 km, equivalente a uma volta e meia ao redor do planeta, além de suprirem quase 30% do consumo de energia do Brasil, possuindo 105 usinas, sendo que 97% vêm de fontes limpas, com baixa emissão de gases de efeito estufa, fazendo a antiga estatal um exemplo de energia renovável.
COMO FUNCIONA O PROCESSO DE DESESTATIZAÇÃO?
Antes de responder esta pergunta, é importante diferenciar a privatização de uma concessão. Na concessão ocorre uma transferência temporária do gerenciamento de um ativo estatal, deixando o estado ainda como proprietário. Essa categoria de mecanismo costuma ser usada nos setores de exploração de minérios e até mesmo de petróleo. Já a privatização ocorre de forma definitiva, podendo ser feita de algumas maneiras, entre elas:
A alienação de participação societária
Abertura de capital,
Aumento de capital
Alienação de bens
Desativação parcial
Cada um desses processos tem seus diferentes aspectos conforme o Programa Nacional de Desestatização, mas de forma geral, a privatização ocorre quando o Estado vende parte de sua participação acionária, ou seja, parte das ações que possui de uma empresa, até que seja um sócio minoritário, deixando de possuir a maioria das ações. A venda dessas ações pode acontecer de forma fechada, indo para um comprador específico, ou as ações de certa empresa podem ser colocadas à venda na bolsa de valores, permitindo a compra por qualquer indivíduo. O processo de desestatização costuma ser longo e burocrático, muitas vezes tendo de ser aprovado pelo Congresso Nacional, o Presidente da República e órgãos como o Tribunal de Contas da União (TCU).
A DESESTATIZAÇÃO DA ELETROBRAS
Como dito antes neste artigo, tentativas de venda da participação estatal da Eletrobras ocorrem desde os anos 90, mas apenas em 2022 essa proposta foi efetivada. Em 2004 foi editada uma lei que impedia a privatização da estatal e suas subsidiárias, atrasando durante muitos anos o andamento do processo. Porém, após lançamento de medidas provisórias (MPs) tanto no governo de Michel Temer quanto de Jair Bolsonaro, a privatização deu seus primeiros passos.
Com isso, em meio às negociações no Congresso Nacional, congressistas incluíram inúmeras exigências estranhas, ou seja, não relacionadas ao tema em nome de apoiar a aprovação da capitalização, sendo essas exigências chamadas “jabutis”. Entre as várias demandas, encontram-se as obrigações de construção de termelétricas em regiões que analistas não enxergam finalidade, mas que podem servir de palanque eleitoral para os congressistas. Esses “jabutis” estão entre as principais críticas dos especialistas à proposta de privatização, visto que pode gerar gastos bem altos em um futuro próximo. Mas visto o empenho do Governo Federal para pôr a privatização em movimento, as exigências foram aceitas.
Dito isso, após todo o processo burocrático, foram emitidas novas ações na bolsa de valores, com o valor de 42 reais cada, movimentando ao todo R$ 33,7 bilhões de reais e tornando a Eletrobras uma corporação. Um detalhe importante que precisa ser citado é que mesmo com a perda significativa da participação do governo na empresa, o governo ainda possui o voto minerva, que significa voto de desempate, ou seja, a União ainda possui uma voz de destaque na corporação, mas com poder reduzido de forma significativa.
CONSEQUÊNCIAS DA PRIVATIZAÇÃO
Muito pode acontecer em decorrência da desestatização da gigante do setor elétrico, podendo haver cenários positivos e negativos. Entre os pontos positivos citados por analistas, podem ser citados:
A renovação da empresa e de seus princípios, visto que a diretoria da Eletrobras agora pode ser mudada pela iniciativa privada, podendo tornar a corporação mais eficiente.
Modernização da empresa, em especial envolvendo maior foco na geração e transmissão de energia renovável.
Aumento significativo de investimentos nos próximos anos, o qual poderá financiar a construção de novas usinas e outras formas de geração, aumentando a oferta de energia e consequentemente diminuindo o seu preço no médio e longo prazo.
Diminuição das burocracias, permitindo que a empresa funcione de forma ágil e compatível com um mercado que está cada vez mais competitivo.
Porém, existem especialistas, assim como setores da política, afirmando que a desestatização foi feita de forma desastrada e apressada, não dando o devido cuidado e atenção que tal processo deveria ter. As críticas em geral se concentram nos seguintes tópicos:
O alto número de “jabutis” que acompanharam a privatização vão gerar altos custos para a Eletrobras, e esses novos gastos provavelmente terão de ser custeados por aumentos no preço da energia, para assim aumentar as receitas.
Políticos da oposição e alguns analistas acreditam que a privatização por natureza causará uma degradação do serviço e aumento de preços, visto que a iniciativa privada buscará aumentar sua margem de lucros da forma que for possível.
As privatizações são e sempre foram um assunto muito complexo de ser discutido, mas também é polêmico. Economistas e políticos vêm discutindo sobre essa questão há décadas e está bem claro que não existe um consenso. A desestatização tem plenas condições de gerar benefícios para o setor elétrico e a população, mas não se pode negar a possibilidade de consequências negativas no mercado.
O primordial para a eficiência de uma corporação de um calibre igual o da Eletrobras é ela ser comandada por funcionários, em especial, diretores eficientes, escolhidos por terem conhecimento técnico para tomar as medidas corretas para o desenvolvimento da empresa. Dito isso, é importante analisar com atenção os próximos passos da antiga estatal nos anos que estão por vir.
Gustavo Altoé de Araujo
Estudante de Ciências Econômicas.
Time de mídias da UFES Finance.
REFERÊNCIAS
Excelente análise das causas e possíveis consequências da privatização da Eletrobras. Acredito que, apesar dos receios sobre os resultados a se esperar, como as questões de preços e qualidade do fornecimento de energia elétrica, uma boa fonte para se fazer um paralelo sobre expectativas e resultados, foram privatizações anteriores, nas áreas de telecomunicações e saneamento. Parabéns, Gustavo!